quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Sem título.

Tenho forte ligação com a minha infância e todos os elementos que a compõe. Ficava na rua o dia todo. Naquela época, o relógio era, somente, um objeto pendurado na parede da cozinha, que fazia tic-tac no silêncio da noite. Infância querida. Creio que minha geração foi à última a ter o prazer de jogar bola em campinhos de terra, brincar descalço sem medo de tétano, brigar por nada (que parecia tudo), sentir-se feliz por andar de trem, enfim, um pouco de saudosismo não faz mal a ninguém.

Eu tive uma infância mágica. Tão pura que, acho curioso o dia-a-dia das crianças de hoje. Gostaria que meus filhos tivessem uma infância igual a minha. Queria que o tempo passasse mais lento. Que os sentimentos não mudassem com o vento. Que as pessoas não morressem. Que minha amada conhecesse meus avós. Que as rugas só aparecessem na hora do banho.

No meu tempo, as coisas eram mais intensas. Fotografias eram reveladas, álbuns emboloravam. Observava meu pai, furioso com as partidas do Corinthians. Tinha eu que, fazer as lições de casa para comer bolachas recheadas. Sem microondas, minha mãe cozinhava. Pesquisas eram feitas na biblioteca. Ria quando meus irmãos apanhavam e, por isso, apanhava também. Porém, a gente defendia um ao outro. Era o mundo contra a gente. Era a gente contra todos. Amigos, amigos, o futuro a parte. Hoje falta amor e cumplicidade. Sobra inveja e competitividade.

Hoje, falta tudo. Faltam crianças para brincar. Árvores para trepar. Faltam programas educativos na televisão. Faltam gibis e revista para colorir. Faltam piolhos e gozação. Faltam motivos para sorrir. Mas, do que adianta se lamentar? O mundo, qualquer hora dessas, irá acabar! Infância querida. Até esqueço que sofria de asma. Que passava dias no hospital. Que vi pessoas amadas partindo, sem eu entender o porque. Até esqueço de mim, esqueço de você. Não sei como irei morrer, tampouco a idade. Contudo, a forma mais lenta e dolorosa, deve ser morrer de saudade.