sábado, 6 de fevereiro de 2010

Provisório (ou Conto de Natal).

O chão que prende a casa, a telha que cobre o lar

Em um dia quente, o sol ardia à pele e abrasava o asfalto. As pessoas se abanavam com as mãos ou com revistas velhas. Assopravam o colo pela gola, andando pelas sombras dos beirais de cada comércio do centro. Carregavam sacolas, caixas e sorrisos.
Minhas mãos ficaram secas, minha vista e meus lábios grudavam. Os pés cansados e as costas doloridas. O suor escorreu pelo canto de meu rosto, antes que eu sentisse seu sal, o sequei com a manga da camisa.
Cheguei em casa. O ventilador girava e girava, mas ventava pouco. Fazia um barulho estranho. Faltava óleo, sobrava poeira. Na geladeira, a garrafa d’água estava vazia. Porém, havia gelo em uma das formas no congelador.
Tomei um banho frio para congelar minha dor e me sequei com a brisa ambiente. Comi dois pedaços de pão sovado, mas não escovei os dentes. Deitei um pouco, sem pensar em nada.
Instantes depois, coloquei Coralina por cima de mim. Passei pelos primeiros capítulos, até a vista enturvar. Dormi.

Entre o muro e a hera, uma estátua de Primavera

Numa mata fechada, ouvia-se canto de pássaros e uma queda d’água. Procurei por algum espaço descampado, mas só encontrei cipós, plantas rastejantes, teias de aranha, flores silvestres e receio. Chamaram por um nome que não era o meu, mas respondi. Caminhei em direção das vozes e avistei uma cachoeira. Havia uma festa! Diversas pessoas se banhavam. Deitadas numa pedra com forma de mulher. Acenaram para mim que, do alto do morro, me escondi. Tomei distancia - três metros ou mais - saltei. A queda não tinha fim. A cada metro de aproximação, perdia a respiração. Acordei.
A paz amanheceu e o povo pensou que era feliz

Minha cara estava amassada e meu corpo moído. Passei um café e liguei o rádio. A maioria dos discos estavam riscados, só um deles que não. Com máximo volume, fui até a janela para ver quem passava. O sol lá longe parecia se despedir de mim, o movimento dos carros não era como de costume. Poucas pessoas nas calçadas e os comércios a fechar.
Não havia muita coisa na geladeira, tampouco na dispensa. Minha cesta fora aberta há dias. Sobrou-me uma garrafa de vinho, duas de espumantes e algumas frutas cristalizadas. A solidão bateu em minha porta, sem nome e sem idade. Eu não tinha nada novo pra vestir e o menino Deus já estava por vir. O sonho tornou-se realidade. A queda não tinha fim.