sábado, 17 de outubro de 2009

5h33 (Nota-se uma nota).

Eram cinco e trinta e três da tarde. Guilherme havia marcado as seis, com seu cabeleireiro. Quando olhou no relógio, calçou seus sapatos, rapidamente, apanhou o guarda-chuva e saiu. Com tanta pressa, deixou cair uma nota de dez, bem ali na calçada, quando retirava as chaves do casaco para fechar o portão.

Após alguns minutos, dona Clarice que sempre passeava com sua cadela no fim das tardes – exceto as terças, pois era dia de seu filho mais velho lhe visitar – percebeu que a cadela farejou algo. Ficou surpresa quando viu a cédula. Olhando para todos os lados, apanhou o dinheiro às pressas e partiu. Passando em frente à casa de doces da Margarida, dona Clarice não pensou duas vezes, gastou todo dinheiro achado em alfajor. Disse as gargalhadas para Margarida que, hoje iria assistir o penúltimo capitulo de sua novela preferida, comendo alfajor ao lado de sua cachorrinha.

Foi só dona Clarice cruzar a saída, que Margarida agradeceu a Deus pela venda. Ela precisava completar o dinheiro do aluguel que havia vencido no dia anterior. Não tinha feito uma venda sequer naquele dia. Faltava, exatamente, a quantia gasta por dona Clarice para completar o montante. Então, Margarida gritou por Wagner, seu filho mais novo, entregou-lhe o dinheiro do aluguel. Orientou o garoto a levar o valor juntado para o Francisco Abreu, dono do cortiço da rua onze e do estabelecimento alugado por Margarida. O menino pegou todo o dinheiro, subiu em sua bicicleta e saiu cortando os carros pela avenida.

Há duas quadras da rua onze, Wagner é acuado por dois garotos. Eles o seguraram pelo colarinho e arremessaram o menino no chão. Ao cair, o dinheiro se espalhou pela rua e os garotos roubaram Wagner. Ele tentou impedi-los. Desferiu um soco na barriga do maior, mas, apanhou dos moleques bem ali que, ainda, partiram com sua bicicleta.

A diante, os garotos pararam para dividir o dinheiro. O maior aproveitou a distração do outro para esconder uma nota de dez. À partilha foi feita, o garoto maior mandou o menor para casa, dizendo que iria vender a bicicleta. Já era tarde, o garoto não havia almoçado, aproveitou que tinha um dinheiro a mais e parou na padaria do Gilmar para comprar alguns pães, frios e leite.

Gilmar finalizou o expediente após a venda, já estava fechando o caixa quando chamou Marina para efetuar seu pagamento. A garota que o ajudava nas vendas, na limpeza e na contagem de mercadoria, se alegrou com a remuneração adiantada. Tirou o avental, deixou as anotações de lado e saiu correndo, agradecendo o chefe. Jorge não aprovou a atitude da garota que, ainda, estava em teste.

Marina colecionava revistas de moda. Passou na banca de jornal e empregou uma nota de dez em duas revistas, eram os dois últimos exemplares que faltavam a ela.

Após quinze minutos, Jorge, o dono da banca, fechou o negócio e foi para casa. Sua mulher lhe esperava, com a comida posta a mesa. Quando cruzou a porta, sentiu o cheirinho do feijão tropeiro, que se misturava com o aroma da carne de panela. Tirou os sapatos e pendurou o chapéu, entrou na cozinha e beijou sua esposa, elogiando o delicioso cheiro do jantar. Antes de colocar a comida no prato, entregou o dinheiro do dia para sua mulher, pois, deveria depositá-lo pela manhã. Ao contar todo dinheiro faturado, ela retirou do chumaço uma nota de dez e disse que era para pagar a costureira.

Com o termino do jantar, a esposa de Jorge olhou no relógio e disse que iria até a casa de Joana, a costureira. Chegando lá, a senhora já estava de combinação, mas, mesmo assim, atendeu o portão. A esposa de Jorge foi logo se desculpando pelo incomodo, entregando o dinheiro para Joana. Elas conversaram um pouco e Joana entrou para assistir o penúltimo capitulo da novela.

Não demorou muito e, mais uma vez, soou sua campainha. Era Guilherme. O rapaz havia deixado para ajuste, um paletó. O colarinho estava descosturado, os ombros desalinhados e as mangas estavam com botões em falta. Tudo ficou por dez, disse Joana. O rapaz não tinha trocado e deu à senhora uma nota de vinte. Joana apanhou o dinheiro e subiu as escadas dizendo que, se ele tivesse passado minutos antes, ela não teria troco. Guilherme apanhou o paletó e o troco, agradeceu e foi para casa.

Começou a chover assim que Guilherme chegara a sua rua. Já era tarde, porém, havia algumas pessoas nas calçadas e uma ambulância estacionada. Ele estava cansado, mas, por curiosidade, perguntou o que havia acontecido. Contaram que dona Clarice tinha se empanturrado de alfajor por toda a tarde e sua diabetes se agravara, devido idade avançada ela não resistiu e morreu. Guilherme lamentou, dizendo que dona Clarice era uma boa pessoa. Não demorou e Guilherme se retirou, despedindo-se dos vizinhos.

Enquanto o arroz cozinhava, Guilherme foi tomar banho. Mas, mal se molhou e ouviu alguém lhe chamando no portão. Ele se trocou, calçou seus sapatos, rapidamente, apanhou o guarda-chuva e saiu. Era Margarida, a doceira, junto com seu filho Wagner. Margarida fora amiga da falecida mãe de Guilherme e, por essa intimidade, o rapaz tinha muito carinho por essa senhora. Convidou a mulher e o garoto para entrar e ofereceu café com bolachas. Ambos negaram, Margarida agradeceu com um sorriso e disse que não queria tomar o café, para não tomar o tempo de Guilherme. Ela relatou ao rapaz que, nesta tarde, o menino Wagner fora assaltado por dois marginais. Os moleques levaram a bicicleta do garoto e, pior, levaram todo o dinheiro do aluguel. Francisco Abreu, não se comoveu com a história e pediu que saísse de sua loja na próxima segunda-feira. Margarida então pediu em empréstimo, a quantia do aluguel. Guilherme foi ao quarto e juntou o montante preciso, deu a Margarida que lhe agradeceu chorando.

No dia seguinte, Guilherme se aprontou para o trabalho. Levantou-se mais cedo para comprar um jornal. Ao passar na banca, reparou que Jorge estava abatido. Sem titubear, Guilherme perguntou o que lhe aborrecia. Disse Jorge que desconfia de sua esposa. Acredita que ela voltara a jogar bingo. Contou que o vicio era tamanho. Pois, ontem mesmo, mal terminaram o jantar e sua mulher saiu para rua, apressada, com uma nota de dez. Guilherme lamentou, dizendo que, apesar dos pesares, a esposa de Jorge é uma boa pessoa. Não demorou e Guilherme se retirou, despedindo-se do amigo.

Mais a frente, passou pela padaria do Gilmar, que estava varrendo a calçada. Guilherme o cumprimentou e indagou o porquê sua nova ajudante não estava tratando da limpeza. Gilmar relatou que dispensou os serviços da menina. Pois, após receber o adiantamento do salário, ela o deixou antes mesmo de fechar o caixa e saiu sem alinhar as latarias. Guilherme lamentou, dizendo que, independente de qualquer coisa, a garota é era uma boa atendente. Não demorou e Guilherme se retirou a caminho do trabalho, despedindo-se do amigo.

Guilherme trabalhou o dia todo, só parou três vezes. A primeira, para ler seu jornal. A segunda pausa, para almoçar. E, a terceira e última, para fumar um cigarro. Quando olhou no relógio, já eram cinco e trinta e três da tarde. Vestiu seu paletó, rapidamente, apanhou o guarda-chuva e saiu. Com tanta pressa, deixou cair uma nota de dez, bem ali na calçada, quando retirava as chaves do bolso para fechar seu consultório.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Desconfio de Deus (Artista ateu).

Quando observo a natureza, seus contrastes, suas flores, os animais, todas as cores, desconfio que Deus seja um pintor. Um artista incompreendido. Que trafega do concreto ao abstrato. Que pinta o universo sem ter base em algum fato.

Ao ver grandes rochedos, vales, cataratas, um universo alinhado, os planetas, as estrelas, tudo lado a lado, desconfio que Deus seja um arquiteto não renomado. Que conhece de engenharia e decora cada canto do cosmo, sendo original e muitas vezes copiado, seja pelo homem ou pelo diabo.

Seria Deus, realista em um mundo de sonhos ou sonhador em um mundo real? Não sei a resposta. Mas, se eu tivesse alguma chance, uma única oportunidade de perguntar algo a Deus e se pudesse fazer, somente, uma única indagação, questionaria: - Deus, pra quem você ora?

Desconfio que Deus não precise de oração, ele não crê em nenhum Deus. Pois, ele acredita ser Deus. E, todo artista é assim. Todos os artistas são ateus.