Eram cinco e trinta e três da tarde. Guilherme havia marcado as seis, com seu cabeleireiro. Quando olhou no relógio, calçou seus sapatos, rapidamente, apanhou o guarda-chuva e saiu. Com tanta pressa, deixou cair uma nota de dez, bem ali na calçada, quando retirava as chaves do casaco para fechar o portão.
Após alguns minutos, dona Clarice que sempre passeava com sua cadela no fim das tardes – exceto as terças, pois era dia de seu filho mais velho lhe visitar – percebeu que a cadela farejou algo. Ficou surpresa quando viu a cédula. Olhando para todos os lados, apanhou o dinheiro às pressas e partiu. Passando em frente à casa de doces da Margarida, dona Clarice não pensou duas vezes, gastou todo dinheiro achado em alfajor. Disse as gargalhadas para Margarida que, hoje iria assistir o penúltimo capitulo de sua novela preferida, comendo alfajor ao lado de sua cachorrinha.
Foi só dona Clarice cruzar a saída, que Margarida agradeceu a Deus pela venda. Ela precisava completar o dinheiro do aluguel que havia vencido no dia anterior. Não tinha feito uma venda sequer naquele dia. Faltava, exatamente, a quantia gasta por dona Clarice para completar o montante. Então, Margarida gritou por Wagner, seu filho mais novo, entregou-lhe o dinheiro do aluguel. Orientou o garoto a levar o valor juntado para o Francisco Abreu, dono do cortiço da rua onze e do estabelecimento alugado por Margarida. O menino pegou todo o dinheiro, subiu em sua bicicleta e saiu cortando os carros pela avenida.
Há duas quadras da rua onze, Wagner é acuado por dois garotos. Eles o seguraram pelo colarinho e arremessaram o menino no chão. Ao cair, o dinheiro se espalhou pela rua e os garotos roubaram Wagner. Ele tentou impedi-los. Desferiu um soco na barriga do maior, mas, apanhou dos moleques bem ali que, ainda, partiram com sua bicicleta.
A diante, os garotos pararam para dividir o dinheiro. O maior aproveitou a distração do outro para esconder uma nota de dez. À partilha foi feita, o garoto maior mandou o menor para casa, dizendo que iria vender a bicicleta. Já era tarde, o garoto não havia almoçado, aproveitou que tinha um dinheiro a mais e parou na padaria do Gilmar para comprar alguns pães, frios e leite.
Gilmar finalizou o expediente após a venda, já estava fechando o caixa quando chamou Marina para efetuar seu pagamento. A garota que o ajudava nas vendas, na limpeza e na contagem de mercadoria, se alegrou com a remuneração adiantada. Tirou o avental, deixou as anotações de lado e saiu correndo, agradecendo o chefe. Jorge não aprovou a atitude da garota que, ainda, estava em teste.
Marina colecionava revistas de moda. Passou na banca de jornal e empregou uma nota de dez em duas revistas, eram os dois últimos exemplares que faltavam a ela.
Após quinze minutos, Jorge, o dono da banca, fechou o negócio e foi para casa. Sua mulher lhe esperava, com a comida posta a mesa. Quando cruzou a porta, sentiu o cheirinho do feijão tropeiro, que se misturava com o aroma da carne de panela. Tirou os sapatos e pendurou o chapéu, entrou na cozinha e beijou sua esposa, elogiando o delicioso cheiro do jantar. Antes de colocar a comida no prato, entregou o dinheiro do dia para sua mulher, pois, deveria depositá-lo pela manhã. Ao contar todo dinheiro faturado, ela retirou do chumaço uma nota de dez e disse que era para pagar a costureira.
Com o termino do jantar, a esposa de Jorge olhou no relógio e disse que iria até a casa de Joana, a costureira. Chegando lá, a senhora já estava de combinação, mas, mesmo assim, atendeu o portão. A esposa de Jorge foi logo se desculpando pelo incomodo, entregando o dinheiro para Joana. Elas conversaram um pouco e Joana entrou para assistir o penúltimo capitulo da novela.
Não demorou muito e, mais uma vez, soou sua campainha. Era Guilherme. O rapaz havia deixado para ajuste, um paletó. O colarinho estava descosturado, os ombros desalinhados e as mangas estavam com botões em falta. Tudo ficou por dez, disse Joana. O rapaz não tinha trocado e deu à senhora uma nota de vinte. Joana apanhou o dinheiro e subiu as escadas dizendo que, se ele tivesse passado minutos antes, ela não teria troco. Guilherme apanhou o paletó e o troco, agradeceu e foi para casa.
Começou a chover assim que Guilherme chegara a sua rua. Já era tarde, porém, havia algumas pessoas nas calçadas e uma ambulância estacionada. Ele estava cansado, mas, por curiosidade, perguntou o que havia acontecido. Contaram que dona Clarice tinha se empanturrado de alfajor por toda a tarde e sua diabetes se agravara, devido idade avançada ela não resistiu e morreu. Guilherme lamentou, dizendo que dona Clarice era uma boa pessoa. Não demorou e Guilherme se retirou, despedindo-se dos vizinhos.
Enquanto o arroz cozinhava, Guilherme foi tomar banho. Mas, mal se molhou e ouviu alguém lhe chamando no portão. Ele se trocou, calçou seus sapatos, rapidamente, apanhou o guarda-chuva e saiu. Era Margarida, a doceira, junto com seu filho Wagner. Margarida fora amiga da falecida mãe de Guilherme e, por essa intimidade, o rapaz tinha muito carinho por essa senhora. Convidou a mulher e o garoto para entrar e ofereceu café com bolachas. Ambos negaram, Margarida agradeceu com um sorriso e disse que não queria tomar o café, para não tomar o tempo de Guilherme. Ela relatou ao rapaz que, nesta tarde, o menino Wagner fora assaltado por dois marginais. Os moleques levaram a bicicleta do garoto e, pior, levaram todo o dinheiro do aluguel. Francisco Abreu, não se comoveu com a história e pediu que saísse de sua loja na próxima segunda-feira. Margarida então pediu em empréstimo, a quantia do aluguel. Guilherme foi ao quarto e juntou o montante preciso, deu a Margarida que lhe agradeceu chorando.
No dia seguinte, Guilherme se aprontou para o trabalho. Levantou-se mais cedo para comprar um jornal. Ao passar na banca, reparou que Jorge estava abatido. Sem titubear, Guilherme perguntou o que lhe aborrecia. Disse Jorge que desconfia de sua esposa. Acredita que ela voltara a jogar bingo. Contou que o vicio era tamanho. Pois, ontem mesmo, mal terminaram o jantar e sua mulher saiu para rua, apressada, com uma nota de dez. Guilherme lamentou, dizendo que, apesar dos pesares, a esposa de Jorge é uma boa pessoa. Não demorou e Guilherme se retirou, despedindo-se do amigo.
Mais a frente, passou pela padaria do Gilmar, que estava varrendo a calçada. Guilherme o cumprimentou e indagou o porquê sua nova ajudante não estava tratando da limpeza. Gilmar relatou que dispensou os serviços da menina. Pois, após receber o adiantamento do salário, ela o deixou antes mesmo de fechar o caixa e saiu sem alinhar as latarias. Guilherme lamentou, dizendo que, independente de qualquer coisa, a garota é era uma boa atendente. Não demorou e Guilherme se retirou a caminho do trabalho, despedindo-se do amigo.
Guilherme trabalhou o dia todo, só parou três vezes. A primeira, para ler seu jornal. A segunda pausa, para almoçar. E, a terceira e última, para fumar um cigarro. Quando olhou no relógio, já eram cinco e trinta e três da tarde. Vestiu seu paletó, rapidamente, apanhou o guarda-chuva e saiu. Com tanta pressa, deixou cair uma nota de dez, bem ali na calçada, quando retirava as chaves do bolso para fechar seu consultório.
sábado, 17 de outubro de 2009
5h33 (Nota-se uma nota).
Manifesto de Thiago Almeida às 12:27 23 000 comentários
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
Desconfio de Deus (Artista ateu).
Quando observo a natureza, seus contrastes, suas flores, os animais, todas as cores, desconfio que Deus seja um pintor. Um artista incompreendido. Que trafega do concreto ao abstrato. Que pinta o universo sem ter base em algum fato.
Ao ver grandes rochedos, vales, cataratas, um universo alinhado, os planetas, as estrelas, tudo lado a lado, desconfio que Deus seja um arquiteto não renomado. Que conhece de engenharia e decora cada canto do cosmo, sendo original e muitas vezes copiado, seja pelo homem ou pelo diabo.
Seria Deus, realista em um mundo de sonhos ou sonhador em um mundo real? Não sei a resposta. Mas, se eu tivesse alguma chance, uma única oportunidade de perguntar algo a Deus e se pudesse fazer, somente, uma única indagação, questionaria: - Deus, pra quem você ora?
Desconfio que Deus não precise de oração, ele não crê em nenhum Deus. Pois, ele acredita ser Deus. E, todo artista é assim. Todos os artistas são ateus.
Manifesto de Thiago Almeida às 08:22 15 000 comentários