sábado, 17 de julho de 2010

Para fins comerciais

Entrou numa loja de discos no centro da cidade, procurou nas prateleiras e nada. Então, perguntou à balconista: “Vocês têm o Blizzard of ozz do Ozzy e o Chega de Saudade do João Gilberto?”.

Com cara de dúvida, a moça procurou nos arquivos do computador, localizou a numeração de ambos, foi até as prateleiras onde poderia encontrá-los e apanhou os discos. Voltou com os vinis um pouco surrados pelo tempo, disse o valor, o rapaz chiou e pediu um desconto, ela concordou e colocou os vinis na sacola. Dinheiro pra cá, discos pra lá. “Obrigado”, disse ele. “Volte sempre”, respondeu a moça.

Ela achou interessante seu gosto musical e pensou: “Assim como eu, tão jovem e não procurou músicas para fins comerciais!? Isso é um bom sinal” . Ele achou interessante o jeito que ela se vestia. Porém, não falaram nada um para o outro. As boas impressões se limitaram aos pensamentos.

Passaram-se três dias. Ele pensando nela. Ela, nele. No dia da venda dos vinis, ela estava chateada, pois na mesma manhã, sua mãe havia sido hospitalizada. Devido à preocupação, acabou não sendo tão simpática com rapaz, como era de costume com os clientes da loja. “Como será seu nome? Porque não perguntei?", lamentou a garota.

O rapaz não tinha mais dinheiro pra voltar à loja. O montante da primeira compra, havia conseguido com a venda de sua guitarra. “Como a atendente se chama? Não tinha crachá e eu, tímido que só, não tive coragem em perguntar seu nome. Aliança não tem... Isso é um bom sinal!”, pensou o jovem.

Após um mês e alguns dias de economia, ele conseguiu juntar certa quantia para adquirir outro vinil e, é claro, com a mais obvia intenção de ver a balconista novamente. Tomou um banho demorado, cantando bem alto no chuveiro. Ele mesmo estranhou sua euforia, quando enxaguou os cabelos, retirando o condicionador que, nunca havia utilizado. Calçou seu all star preto e sua camisa do Creedence. Usou escondido o perfume de seu pai e partiu.

Seu coração batia forte. Sua respiração, cada vez mais ofegante. Ensaiou algumas frases para impressionar e elaborou algumas perguntar para fazer. Sem hesitar, pensou em um dia e lugar para convidá-la a sair.

A loja estava próxima, dois quarteirões ou menos. Ele desacelerou os passos, sentia suas mãos frias, sempre de cabeça baixa. O farol abriu para a passagem dos pedestres, ele se apressou. Seus pensamentos estavam tão fantasiosos que não percebeu que, uma moto cruzava o sinal vermelho. Ouviu buzinadas e alguns gritou na calçada. Com menos de três metros, mostrando habilidade e equilíbrio, o motoqueiro fez um ziguezague, desviando do rapaz. “Motoqueiro filho da puta! Não viu o sinal, não!?”, esbravejou.

Depois do susto, o jovem cruzou a rua da loja. Por alguns minutos, o susto veio a calhar, pois controlou sua ansiedade, substituindo paixão por medo. Mas, todo esse turbilhão de sentimentos voltou à tona quando avistou a loja.

Pronto! Chegou até a loja de discos. Forçou a maçaneta e observou que a porta estava fechada. “Hora do almoço!?”, pensou. Conferiu no relógio e advertiu-se, afinal faltava quinze. O vidro fume e empoeirado, impossibilitava a visão de fora para dentro. Ele se afastou. Olhou para cima, notou a ausência da fachada luminosa. No lugar, havia uma faixa de pano, com os dizeres: “Aluga-se para fins comerciais”.