Histórias de viajantes
Já era tarde do dia, quando chegou a Contagem. Exausto e morrendo de sono, Gilberto procura um hotel para tomar um banho, ligar para sua casa e dormir algumas horas. Mas, antes disso, resolve ir a um banco para sacar dinheiro, com objetivo de ir até a casa de Osvaldo.
Após isso, ele pergunta sobre o endereço para alguns taxistas, que o orientam como chegar lá. É afastado do centro, mas, fácil de encontrar.
Depois de ir ao banco, não demora muito e Gilberto encontra a rua da casa de Osvaldo. Ele fita as casas, uma a uma, percebe que se trata de um bairro muito carente. Algumas crianças brincam nas calçadas e acenam para ele. No final da rua, próximo a esquina, em um portão de madeira, muro chapiscado e com o número quinhentos e vinte e dois. Era ali a casa de Osvaldo, Gilberto enfim a achou.
Em frente à casa, Gilberto estaciona sua van e desce. Bate palma uma, duas, três, algumas vezes e chama por Marília. Demora um pouco, mas ela ouvi o chamado e grita que já irá atendê-lo. Marília abre o portão e diz, educadamente que, se for um vendedor, seja lá do que, ela não teria dinheiro e, pouco menos, interesse em comprar. Gilberto sorri e diz que não estava ali para vender nada, seu intuito era pagar uma dívida. Espantada, Marília pergunta sobre essa tal dívida. Gilberto diz que tem uma dívida com Osvaldo e que prometeu pagar a dívida à ela. Ainda sem entender, Marília pergunta mais uma vez sobre a dívida, se foi um serviço ou uma venda de peças mecânicas, enfim, quando foi que Gilberto viu Osvaldo pela última vez. Gilberto então explica, fala a Marília sobre o combinado e que ele estava ali para honrar o compromisso.
Antes de terminar a explicação, Marília bate o portão em sua cara, entra para sua casa e, aos pratos, diz que a brincadeira fora de muito mau gosto. Gilberto percebe o portão semi-aberto e entra se explicando, abrindo a carteira e contando as notas. Marília enxugando as lágrimas com seu avental, fala a Gilberto que seu marido, Osvaldo, havia falecido há alguns anos.
Gilberto se desculpa e diz que entrou na casa errada, que tudo não passava de um mal entendido, havia se confundido com as casas parecidas. Nesta hora, uma menina chorando, cruza a cozinha e abraça a mãe, dizendo que sua irmã puxou seus cabelos. Quando Gilberto ouve a garota falando o nome da irmã, Jéssica e Marília a consolando, chamando-a de Rebeca, ele fica espantado. Retira o bilhete do bolso de sua camisa e confere o endereço com Marília. Gilberto, com a voz tremula, pede para Marília uma foto de seu marido. Sim, trata-se da casa de Osvaldo.
Ao entregar a foto, Marília explica que ele fora morto por assaltantes em um restaurante de estrada. Após ter recebido por um serviço prestado, dois marginais abordaram Osvaldo e pediram o dinheiro. Como são pobres e suas filhas queriam um presente de natal, Osvaldo hesitou, foi então que, numa luta com os bandidos, um deles cometeu um disparo fatal.
Gilberto observa a foto e chora ao ouvir o relato de Marília. Dá o dinheiro a ela e, mais uma vez, conta como conheceu Osvaldo. Marília chora bastante, se lamenta pela perda do marido, fala da dificuldade que passam e diz que acredita na história de Gilberto, pois, Osvaldo era mesmo muito caridoso e prestativo. Eles se abraçam e choram bastante. Gilberto vê a foto sobre a mesa e, com um semblante de felicidade, agradece.
Após um café e um longo papo, Gilberto atravessa o quintal, cruza o portão e, enxugando suas lágrimas, entra em sua van carregada de peças, malotes e experiência de vida.
Contaram-me essa história em um restaurante de estrada, próximo a Corumbá, Mato grosso do Sul. Algumas pessoas me confirmaram tudo. Disseram-me que foi o próprio Gilberto que, em outra viagem, passara ali e contou sobre este ocorrido. Porém, outras pessoas falaram que se trata, apenas, de mais uma de tantas histórias contadas por viajantes.